E a coisa até ía tão bem...
O marketing é o saber colocar-se na posição do consumidor. Eu sou consumidora. Por vezes não muito exigente, mas também depende do produto e de outros factores subjectivos - tais como o estado emocional na ocasião.
"O Pai da Branca de Neve". Que belíssimo chamariz! Até gosto da capa e tudo.
Sendo membro do cardume, mordi o isco e li a sinopse.
"A protagonista espera em casa que o estafeta do supermercado lhe traga as compras. O estafeta atrasa-se e ela tem de sair."
Muito bem. (Estou ainda a provar o isco)
Quando volta descobre que lhe deixaram as compras em casa de uns vizinhos e que os produtos congelados se tinham estragado. Telefona para o supermercado para reclamar. No dia seguinte, tocam-lhe à campainha e ao abrir a porta dá de caras com o estafeta do supermercado.
Aqui, já morro de curiosidade: ele irá partir o carro todo à senhora? (Já estou a mastigar o engodo).
O homem diz-lhe que por causa do seu telefonema o despediram. A professora lamenta o incidente, mas o homem insiste: ela é a responsável, deve encontrar-lhe outro emprego.
Já estou de dedo em riste para vasculhar a Fnac.pt/ bibliotecas, à procura do livro. (Engoli o isco). Mas eis que borram a pintura:
A partir deste episódio, Belén Gopegui, uma das mais importantes escritoras da nova geração de romancistas espanhóis,
Ah, que giro. Não sabia (informação que nos situa no tempo, mas que deve ser usada com cautela por se ter tornado tão banal e que levanta algumas questões: "uma das?", ou seja, é mainstream? escrita para mulheres?)
tece uma narrativa que nos leva pelo mundo incerto dos limites invisíveis que unem e separam o privado do espaço público.
... acabaram de cilindrar completamente todo o (bom) trabalho feito com uma frase cheia de coisíssima nenhuma. Como consumidora, ficou não só um travo a "livro florido" como também um travo de procura de um pseudo-intelectualismo, tudo escondido numa embalagem interessante. O livro, ganhou estigma.
Por outras palavras, enquanto que até então preparava-me para o esforço de me deslocar/ efectuar diligências para o visualizar (o cliente estava ganho), com aquele parágrafo, fiquei alertada para detalhes totalmente subjectivos e carregados de juízos de valor: o n.º de páginas, o local onde tomei conhecimento deste livro, quem faz comentários (no Facebook) e o seu histórico de leitura (que verificando rapidamente, é totalmente diferente do meu).
É esta a importância de perceber que tipo de imagem se quer que o produto tenha junto dos consumidores, do modo como se vende algo - aqui, "vende-se" uma sugestão de leitura; mas o mesmo sucede nos postos de venda e mais ainda nos guias de exposições ou de filmes (textos e textos vazios).
Quanto a mim, perdi o entusiasmo, releguei o desfolhar deste livro para segundo plano, provavelmente, só me recordarei da sua existência se passar por ele numa qualquer estante.
Ser simples e conciso. Não se trata de uma obra de arte e muito importante, não há que ter vergonha em admiti-lo.
Se calhar, até me fizeram um favor...