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smobile

conceitos sob o ponto de vista do observador

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Neo-realismo português: "Crime na Aldeia Velha"

"JÚLIO

Não sejas ingrata, joana: a formosura é um grande dom de Deus!...

JOANA

(Que se levanta: feroz, violenta.) É por causa disso... dessa tal boniteza que vêem na minha cara, que eu sofri o que tenho sofrido!: E os homens, como cães, sempre em redor de mim, a babarem-se de gulosos, com os olhinhos arremelgados mais vivos que um tição... ah padre Júlio, quando os vejo assim, sinto nojo deles, tenho-lhes uma raiva tão grande que... ai, nessas alturas, eu era capaz de os matar, por minhas próprias mãos!! (Pausa) Eu sou ruim, acredite."

in SANTARENO, Bernardo, "O Crime da Aldeia Velha", Lisboa, Círculo de Leitores, 1975, p. 102.

 

 

Esta peça, do neo-realismo português, é baseada num assinato perpectuado pela população de uma aldeira beirã em 1934: uma jovem mulher, que se recusava casar para não vir a receber os maus tratos que vira na sua mãe na sua falecida irmã (o cunhado desapareceu deixando a filha a seu cargo), foi queimada viva para expulsar o Demo.

 

 

"JÚLIO

(Enérgico) Não quero saber!: Mentiras, coisas estúpidas, que só o estado selvagem desta aldeia e o muito tempo que viveram sem pároco pode desculpar: Aldeia Velha é hoje um lugar pagão, um sítio de escândalo, uma vergonha! Este povo - vossemecês todas e até a minha própria mãe! - acreditam mais em bruxas, lobisomens, mau olhado e pragas, do que no poder do Sangue Redentor de Nosso Senhor Jesus Cristo, do que na misericórdia da Mãe de Deus, do que na verdade e eficácia dos Sacramentos! (Firme, sereno, luminoso:) Oiçam, oiçam com atenção o que lhes diz vosso abade, mulheres de pouca fé!: A Joana está inocente dessas barbaridades, é uma pobre e boa rapariga, vive na graça de Deus e nunca - nunca! - esteve possessa do demónio. (Silêncio breve.) É esta a verdade: Quem for contra ela, peca por calúnia grave!"

idem, p. 89.

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