Desfolhando a revista Ilustração Portuguesa de 24/Nov/1919 à qual tive acesso, a minha atenção prendeu-se num curioso artigo de título "Como o povo aprende a amar a sua terra e os seus escritores".
Artigo este ilustrado com fotografias, algumas manipuladas, que logo rasgaram um largo sorriso no meu rosto.
O artigo conta que o Município de Madrid da nossa vizinha Espanha inaugurara no Parque del retiro uma biblioteca pública. A partir daí, tece vastos elogios a esse país, que até nas gares teria disponível livros para venda:
"(...) ao mesmo tempo que se faz negocio, se contribue para elevar o nivel mental da população.", p.405
Vem depois a critica mordaz à realidade portuguesa.
"Ora este caso das bibliotecas populares é um caso interessante que nós podemos imitar. Se nós imitamos tanto do que é de mau porque não imitar o que é bom?", p.405.
E continua oferecendo varíadissimas sugestões para a identificação dos livros, carimbos, multas para a gatunagem, locais de implementação deste equipamento e o seu aspecto e claro, os géneros literários a apresentar:
"Apenas livros portugueses, livros de bons autores (...)", "o Camilo, o Julio Diniz, Eça, Junqueiro, Gomes Leal. Nada de livros prenhes de idéas, nada de livros complicados." (...), pp.406-407.
Mas não foi o conteúdo do artigo, mas sim as imagens que agarraram os meus olhos.
O equipamento que tanto enalteciam não passavam de prateleiras.
Em conversa posterior, fiquei a saber que na década de 50/ 60 do século passados, estas ainda podiam ser vislumbradas em alguns jardins. Hilariante!
O delírio foi total ao verificar a manipulação feita nas imagens: fotografias de jardins lisboetas enfeitados com móveis de sala, perdão, com "bibliotecas populares".
Com este singelo artigo ficamos a saber que:
- a fama da CML vem já de longe:
"Tem a Camara operarios que, em logar de madraçarem, se podem ir entretendo a construir pequenas estantes (...)";
- que ao fim de 90 anos a realidade mantém-se, levando-me a crer cada vez mais que o problema nunca foi do País mas das pessoas que lá habitam:
"E como Portugal é um paiz onde se lê pouco, cumpre que a leitura seja businada aos ouvidos da multidão como coisa digna de enaltecer. Isso seria uma pequena enxadada na terra negra do alfabetismo. Que ele ha mesmo quem seja analfabeto embora saiba ler e escrever...". p. 408.
Ilustração Portuguesa, um documento precioso.
AAVV, "Como o Povo Aprende a Amar a Sua Terra e os Seus Escritores", Ilustração Portugueza - Edição Semanal de "O Seculo", II serie, n.º 718, 24 de Novembro de 1919, pp.405-408.