No ghetto dourado da BD
Depois de inserir cafeína no sistema ao som de dois dedos de fofoca, de breves afazeres caseiros, de ler a Revista Nova Gente, de blogar, de faceboquear, de planear saídas para dias mais aprazíveis, nesta alagadiça tarde de feriado e com a ajuda de Rui Zink, prestei-me a levantar a ponta do véu sobre as mais valências da Banda Desenhada.
No seu estilo que muito prezo, ou seja, de botão "descomplicómetro" ligado no máximo onde o sentimento de segurança "de tudo arrumadinho" pode dar lugar a uma valente "belinha" no nosso cérebro, obrigando-nos a questionar o que foi apresentado, Rui Zink em "Literatura Gráfica? - Banda Desenhada Portuguesa Contemporânea" oferece-nos muitas luzes para o caminho labiríntico que é o "pensar a BD".
# pranchas em exposição na BD Amadora, 2010.
Algumas ideias retidas, boas para digestão.
- "O lugar em que a BD se encontra, com os seus festivais, com o seu marketing, com o seu circuito comercial, o seu merchandising, as suas livrarias especializadas, parece-nos muitas vezes mais um ghetto, embora dourado (cf. Peeters, 1993: 69-70), do que um espaço livre e de abertura, propício ao desenvolvimento da linguagem", p. 70 - sobre a questão da BD poder ser considerada uma variante da literatura.
- "Se há textos com um elevado grau de convencionalidade que se inserem a chamada cultura de massas, outros há que sistematicamente exigem ao leitor que repense as convenções adquiridas, a fim de conseguir - através da sua imaginação projectiva (Iser, 1989) - criar um sentido para a sua leitura. São estes textos - não objectos de cultura de massas, mas objectos estéticos - que nos interessam.", p. 49
- (...) "A BD tinha valor enquanto objecto de estudo na medida em que era um elemento da comunicação de massa, e não tinha nem mais nem menos interesse que qualquer outro elemento: cartaz publicitário, um programa televisivo, etc.", p.50
- (...) "se todo o objecto estético é de algum modo comunicação, e contém mensagem, a comunicação de uma mensagem não é a prioridade de um objecto estético." p. 52
- "Num texto de BD, como em qualquer livro, o leitor é soberano não só no modo como lê mas do tempo que dedica à leitura.", p. 56 - questão levantada quanto à diferença entre filme e BD.
- "A elipse é a própria essência da BD, e a característica fundamental do modo de leitura que esta promove (...)", p. 57
- "O importante é a relação de continuidade estabelecida entre duas ou mais vinhetas. Essa ligação é sugerida no texto mas necessita da colaboração activa do leitor para ser concretizada." (...) "Essa ausência, esse espaço vazio à espera de ser preenchido pelo leitor é a elipse.", p.27
- "Não se lê pintura, vê-se pintura. Ler um quadro é uma actividade de segundo grau, posterior ao contacto sensorial. Na BD, ler e ver são actividades inseparáveis. Lê-se a imagem de um modo diferente das artes visais. A imagem obedece aqui a regras narrativas, a um modelo de leitura verbal, e a não regras de estética puramente visual.", p.58
in ZINK, Rui, "Literatura Gráfica? - Banda Desenhada Portuguesa Contemporânea", Oeiras, Celta Editora, 1999